Outro dia vi andando na rua uma mulher. Ela caminhava ereta, com passos firmes e usava um belo lenço envolvendo sua cabeça. No meio do quarteirão havia uma turma de amigos em frente a um barzinho. Ao perceberem que a mulher se aproximava dali logo deram espaço para que passasse.
As demais pessoas que por eles passavam tinham que se esgueirar na calçada ou pedir licença para conseguirem um espaço, mas para aquela mulher eles simplesmente saíram do caminho.
Intrigada, fui até eles e perguntei por que deram espaço somente para a mulher de lenço na cabeça e não fizeram o mesmo pelos outros transeuntes, nem mesmo quando passou uma senhora de bengala.
Surpresos com a pergunta, responderam quase em coro: Você não viu o lencinho cobrindo a cabeça careca? Isso significa que ela tem câncer, está morrendo!
Aí foi minha vez de me surpreender, pois eu conheço a mulher para a qual deram passagem e, sim, ela tem câncer, e não, ela não está morrendo. Segundo os médicos ela tem mais probabilidade de morrer devido à violência urbana do que do câncer que está tratando.
São tantas histórias que você já ouviu a respeito, boas e más, de pessoas que se recuperaram e das que faleceram. De tratamentos difíceis, sofridos e longos, alguns inclusive com seqüelas.
A informação seguinte ao diagnóstico é a respeito das melhores opções de tratamento, que podem incluir cirurgia, radioterapia, quimioterapia, não necessariamente um após o outro, em determinados casos a orientação do médico será a radioterapia junto com a quimioterapia.
Entretanto, logo depois do diagnóstico paciente e familiares tem dificuldade em absorver qualquer outra informação, porque estão tão impactados, se sentindo tão devastados pela notícia, que não conseguem ouvir mais informação alguma.
Esse paciente, já fragilizado pelo diagnóstico inicial, precisa encontrar forças e esperanças para aderir ao tratamento, que pode gerar reações diversas, mas que é sua chance de cura ou de mais um tempo de vida com qualidade.
Surgem as preocupações adicionais, desde saber se o convênio cobrirá ou se a possibilidade financeira da pessoa permite, pacificamente, todos os tratamentos necessários ou se será preciso acionar a Justiça para fazer valer os seus direitos.
É importante uma rede de suporte: familiares, amigos e vizinhos, para auxiliar a dar conta de tudo o que virá pela frente. Pode ser preciso, por um tempo, um cuidador/enfermeiro mesmo, pois se o tratamento gerar muita fraqueza pode precisar de ajuda para ir ao banheiro, tomar banho, se alimentar, fazer caminhadas, ir a radioterapia e/ou a quimioterapia.
Descrença, raiva, indignação: são diversos os sentimentos suscitados. A clássica pergunta de: “por que comigo?” Alguns percebem a doença como castigo, punição, e dificultam mais sua situação se culpando. Outros esperam que a cura venha de fora, que o outro seja quem lhe traga a cura, e não fazem sua parte nesse processo, agindo como se o mundo lhes devesse a cura. Há os que aderem ao tratamento e buscam, dentro de suas possibilidades, se auxiliarem.
Os grandes terrores que vejo assombrar pacientes e familiares são originados do medo: medo do sofrimento por causa da doença, medo da agressividade do tratamento, medo da perda dos cabelos e medo da morte propriamente dita, de perder tudo e todos que lhe são caros..
A Psicooncologia, nesse momento, visa propiciar espaço para que pacientes oncológicos e seus familiares sejam ouvidos e acolhidos, de forma a expressarem seus sentimentos e temores frente ao processo de adoecimento e tratamento e, também, realiza intervenções visando o desenvolvimento de recursos internos de enfrentamento para essa situação tão estressante e diferenciada do cotidiano dessa família.
É preciso se permitir demorar um tempo para absorver tantas novidades e a incerteza no cotidiano. As emoções se transformam num redemoinho. Compartilhar temores, lágrimas e sentimentos, nesse momento, é uma forma saudável de cuidar de si e do outro
A dor do medo e da incerteza não é concreta, é subjetiva, porém é uma dor que também deve ser considerada, respeitada e acolhida, para que as emoções sejam lidadas e elaboradas e dessa forma o enfrentamento desse processo de tratamento seja o mais salutar possível e traga novas perspectivas, um novo olhar para as relações e a própria existência.
Fonte: Raquel Franco. CRP: SP 567166
Quer fazer parte do nosso blog? Envie um artigo para artigos@helpsaude.com.
As demais pessoas que por eles passavam tinham que se esgueirar na calçada ou pedir licença para conseguirem um espaço, mas para aquela mulher eles simplesmente saíram do caminho.
Intrigada, fui até eles e perguntei por que deram espaço somente para a mulher de lenço na cabeça e não fizeram o mesmo pelos outros transeuntes, nem mesmo quando passou uma senhora de bengala.
Surpresos com a pergunta, responderam quase em coro: Você não viu o lencinho cobrindo a cabeça careca? Isso significa que ela tem câncer, está morrendo!
Aí foi minha vez de me surpreender, pois eu conheço a mulher para a qual deram passagem e, sim, ela tem câncer, e não, ela não está morrendo. Segundo os médicos ela tem mais probabilidade de morrer devido à violência urbana do que do câncer que está tratando.
São tantas histórias que você já ouviu a respeito, boas e más, de pessoas que se recuperaram e das que faleceram. De tratamentos difíceis, sofridos e longos, alguns inclusive com seqüelas.
A informação seguinte ao diagnóstico é a respeito das melhores opções de tratamento, que podem incluir cirurgia, radioterapia, quimioterapia, não necessariamente um após o outro, em determinados casos a orientação do médico será a radioterapia junto com a quimioterapia.
Entretanto, logo depois do diagnóstico paciente e familiares tem dificuldade em absorver qualquer outra informação, porque estão tão impactados, se sentindo tão devastados pela notícia, que não conseguem ouvir mais informação alguma.
Esse paciente, já fragilizado pelo diagnóstico inicial, precisa encontrar forças e esperanças para aderir ao tratamento, que pode gerar reações diversas, mas que é sua chance de cura ou de mais um tempo de vida com qualidade.
Surgem as preocupações adicionais, desde saber se o convênio cobrirá ou se a possibilidade financeira da pessoa permite, pacificamente, todos os tratamentos necessários ou se será preciso acionar a Justiça para fazer valer os seus direitos.
É importante uma rede de suporte: familiares, amigos e vizinhos, para auxiliar a dar conta de tudo o que virá pela frente. Pode ser preciso, por um tempo, um cuidador/enfermeiro mesmo, pois se o tratamento gerar muita fraqueza pode precisar de ajuda para ir ao banheiro, tomar banho, se alimentar, fazer caminhadas, ir a radioterapia e/ou a quimioterapia.
Descrença, raiva, indignação: são diversos os sentimentos suscitados. A clássica pergunta de: “por que comigo?” Alguns percebem a doença como castigo, punição, e dificultam mais sua situação se culpando. Outros esperam que a cura venha de fora, que o outro seja quem lhe traga a cura, e não fazem sua parte nesse processo, agindo como se o mundo lhes devesse a cura. Há os que aderem ao tratamento e buscam, dentro de suas possibilidades, se auxiliarem.
Os grandes terrores que vejo assombrar pacientes e familiares são originados do medo: medo do sofrimento por causa da doença, medo da agressividade do tratamento, medo da perda dos cabelos e medo da morte propriamente dita, de perder tudo e todos que lhe são caros..
A Psicooncologia, nesse momento, visa propiciar espaço para que pacientes oncológicos e seus familiares sejam ouvidos e acolhidos, de forma a expressarem seus sentimentos e temores frente ao processo de adoecimento e tratamento e, também, realiza intervenções visando o desenvolvimento de recursos internos de enfrentamento para essa situação tão estressante e diferenciada do cotidiano dessa família.
É preciso se permitir demorar um tempo para absorver tantas novidades e a incerteza no cotidiano. As emoções se transformam num redemoinho. Compartilhar temores, lágrimas e sentimentos, nesse momento, é uma forma saudável de cuidar de si e do outro
A dor do medo e da incerteza não é concreta, é subjetiva, porém é uma dor que também deve ser considerada, respeitada e acolhida, para que as emoções sejam lidadas e elaboradas e dessa forma o enfrentamento desse processo de tratamento seja o mais salutar possível e traga novas perspectivas, um novo olhar para as relações e a própria existência.
Fonte: Raquel Franco. CRP: SP 567166
Psicóloga cadastrada no Help Saúde.
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